quinta-feira, 4 de julho de 2013

Um problema de saúde... econômica do país!


O Ipea divulgou ontem uma pesquisa interessante mostrando o desempenho econômico das várias carreiras profissionais no país. De acordo com o blog Pragmatismo Político, numa matéria intitulada "Medicina é a profissão com maior salário e menos profissionais", com altos salários (em relação à média nacional), taxa de ocupação de 93% dos postos e falta de profissionais, a medicina está em posição diferenciada em relação a outras carreiras profisisonais. Lembrando que, como diz a matéria  (disponível aqui), o IPEA levou em conta nesta avaliação "salários, jornada de trabalho, cobertura previdenciária e taxa de ocupação", revelando que os médicos têm um melhor desempenho global. No próprio documento do IPEA há um item, logo no início intitulado "A VENCEDORA DISPARADA DO RANKING TRABALHISTA É MEDICINA, SEGUIDA DE ODONTOLOGIA E DAS ENGENHARIAS". É indispensável a leitura do documento original para se formar um juízo próprio (até porque o seu foco é sobre "ganhos e perdas salariais" e não sobre maiores ou menores remunerações - o que é bem diferente).

Apoio total à reivindicação do CFM de que não haja importação sem validação de diploma, que haja mais investimentos pra saúde etc. etc. etc. No entanto, é preciso sempre enfatizar que este problema "médico" expõe algo muito maior: não se trata de um assunto exclusivamente de saúde como se ele fosse isolado dos demais, mas sim de pensar uma política global de desenvolvimento e inclusão no país. Afinal, se, como revela a pesquisa, faltam médicos, todos sabemos que nos grandes centros (e o documento do IPEA mostra esta distribuição regionalizada) há uma sobre oferta de profissionais (isso, sem falar na qualidade duvidosa de muitas formações que sabemos serem comuns com a abertura do mercado universitários à rede privada - há até 20 anos, a esmagadora maioria dos profissionais de medicina vinham de universidades públicas com grosso investimento em pesquisa, tecnologia e treinamento, basta ver a infraestrutura dos hospitais universitários).

Se eu quero levar um médico para Eirunepé (AC), Carolina (MA) ou pro Vale do Jequitinhonha (MG) - para usar exemplos de regiões conhecidas como "afastadas dos grandes centros", é necessário pensar todos os aspectos do desenvolvimento econômico do país, tomado como um todo - e não regionalmente ou por setores. Sabemos, e isso tem sido amplamente divulgado pela mídia, que muitas pessoas não querem ir para esses lugares sob a alegação de que faltam condições mínimas (não somente para o exercício da profissão de forma decente e responsável, mas para educação, lazer e outros itens necessários a uma boa qualidade de vida do próprio profissional e de suas famílias). Falar de qualidade de vida é falar de desenvolvimento sob todos os seus aspectos e não somente o econômico: não adianta pagar altos salários (como temos visto muitos governadores e prefeitos anunciando) se os municípios não oferecem a menor condição para se ter uma vida decente.

Agora, independentemente disso, há um outro lado da questão, muito mais complexo e que precisa ser, pelo menos, levantado. Coloquemos as mãos nas nossas consciências respondamos: quantos estudantes de medicina nós conhecemos que topariam (mesmo ganhando mais e com melhores condições de educação, saúde etc. para seus eventuais filhos) uma empreitada tipo Médicos Sem Fronteiras ou outra iniciativa semelhante, com uma boa dose de altruísmo, despojamento que faz parte, inclusive, do juramente de Hipócrates (que por muitos é entendido - com o perdão do trocadilho tosco - como "juramento do hipócrita"), ao invés de sonhos Louis Vuitton e consultório no Itaim Bibi? Conheço muitos médicos para os quais estendo um tapete vermelho por esta dedicação, pelo altruísmo, despojamento e longa experiência já tiveram exercendo uma medicina realmente humanitária, próxima dos anseios e necessidades da população. Reconheçamos que, para uma parcela enorme daqueles que escolhem a medicina, o devaneio do status socioeconômico ainda é muito forte. O ser humano diante dele não é mais do que um mero protocolo, um conjunto de sintomas fisiológicos e não uma realidade social, psíquica e cultural que manifesta estes sintomas.

Aliás, retomando o ponto da formação médica, é curioso que são raríssimos os casos em que, na formação, o estudante de medicina tenha noções (que dirá um aprofundamento) de antropologia, filosofia, sociologia e ética (não confundir com a superficialidade de um código de conduto que não é de longe o que é a Ética para a filosofia).
Gostaria de ver esta discussão ultrapassar a pequenez dos argumentos do "sou contra Dilma/Padilha" e enveredar por assuntos que realmente importam.

Em suma, como diria o velho Magritte (ilustrado acima), recentemente parodiado nos 20 centavos: "Isto não é um cachimbo!"



segunda-feira, 24 de junho de 2013

Uma análise em ciências sociais

Este texto foi escrito a partir de um desafio muito saudável do Professor Luiz Fernando Garcia (da ESPM). Ele me enviou, numa postagem via Facebook, uma matéria publicada na Folha de São Paulo em 23 de junho de 2013, a propósito das análises feitas dos acontecimentos no Brasil. Escrevi rapidamente a reflexão abaixo.

Para quem quiser, leia o texto Cientistas sociais procuram modelo para onda de protestos no Brasil, publicado no site da Folha.
Prezado Prof. Garcia,

Seu post foi um desafio delicioso. Agradeço por ele. Vamos lá.

Teresa Caldeira é uma das mais renomadas antropólogas brasileiras. Sua especialidade é antropologia urbana e estudos de periferia: tribos urbanas, movimentos culturais etc. Tive a sorte de, na década de 1990, ter sido aluno dela na Unicamp e de conviver com ela com um pouco de mais proximidade quando fui bolsista do CEBRAP (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) que fica aí na Vila Mariana, na rua Morgado de Mateus. Não conheço com tanta proximidade o trabalho do sociólogo Sébastien Roché.

Eu gostaria de chamar a atenção para dois aspectos bastante óbvios, perigosos e tendenciosos da matéria. Desculpe se vou eu mesmo parecer meio óbvio, mas acho que o texto que você me enviou requer uma prevenção, um cuidado especial, contra esses dois pontos:

1.  Se o senso comum já tem a tendência de desqualificar como mera "opinião" a análise de cientistas sociais, tirando delas o caráter científico e objetivo, a mídia de uma forma geral (e a grande imprensa em particular) dão uma valiosa contribuição para corroborar esta deturpação. Transformam a fala de qualquer especialista num mero jogo de opiniões (iguais às do taxista, da dona de casa ou de qualquer outro não especialista). Isso é ruim porque tira desta análise toda a tentativa de construção de um olhar objetivo (focado no "objeto", na coisa em si) e o transforma em um mero devaneio subjetivo (focado no sujeito, naquilo que "eu" penso). Confunde-se facilmente verdades objetivas com verdades absolutas e, com isso, afirma-se o reino da subjetividade. Em última instância, esta perspectiva nega a possibilidade de que existam "ciências" sociais;

2.  É típico do método das Ciências Sociais (e a Antropologia não é exceção), o recurso à comparação como método de análise. É, diga-se de passagem, assim que se faz ciência, no âmbito das ciências humanas como um todo. Como não se pode transformar as sociedades num grande laboratório de experimentação (comunidades, sociedades, pessoas não podem ser alvo de "experimentos" - como em um laboratório de biologia, física ou química, por exemplo), lança-se mão da comparação justamente para evitar subjetivismos e tentar, com o máximo de proximidade, chegar ao "objeto", à realidade que se está analisando, comparar com outros fenômenos semelhantes procurando entender quais as variáveis importantes no processo de sua formação e suas consequências. Este procedimento é fundamental para que se tenha uma análise mais objetiva, como é propósito de qualquer ciência.

Dito isto, eu chamaria a atenção para um grande erro tendencioso da matéria: o título. Na verdade, nem a Teresa Caldeira, nem o S. Roché buscam "modelo", no sentido de algo congelado, estanque, sólido e essencialista. O que eles estão buscado é encontrar, em eventos parecidos que ocorreram recentemente, casualmente os dois na França (1968 e 2005), envolvendo jovens, questionamento da ordem estabelecida, mobilização popular etc., quais elementos poderiam ajudar a compreender o que está acontecendo hoje no Brasil. Isso é o procedimento padrão de qualquer cientista social. Nós vimos isso o tempo todo nas entrevistas dadas aqui no Brasil por vários deles.

Isso que está acontecendo hoje no Brasil é inédito (pelo menos em nossa história) e reúne elementos de uma grande complexidade. Portanto, o segundo ponto importante é que qualquer fato histórico só vai ser devidamente compreendido e esclarecido a posteriori. Jamais conseguimos ter uma compreensão das coisas no exato momento em que elas acontecem. Por isso, qualquer tentativa de "rotular", de "definir" é, não só, desaconselhada, como imprópria. O momento é de fazer exatamente o que muitos meios de comunicação têm feito: procurar especialistas para promover um debate para "ensaiar" caminhos de interpretação. Isso é extremamente importante. Com isso, reunimos elementos de várias áreas do conhecimento para ter uma compreensão mais abrangente do que está acontecendo. Para mentes mais superficiais e afoitas, isso é perda de tempo e não saber por onde caminhar. Ao afirmar isso, essas pessoas demonstram um total desconhecimento do que é o processo histórico e de quão complexos são os fenômenos sociais. Este exercício não é mera verborragia ou perda de tempo. Se não o fizermos, aí sim, caímos na armadilha dos reducionismos que nada explicam, muito pelo contrário, só acumulam inverdades sobre os acontecimentos.

Eu acho importante que isso seja pontuado porque tenho visto muitas pessoas (professores, inclusive por escrito no próprio Nota Alta) menosprezando este exercício de interpretação que tem sido feito, desqualificando as análises e afirmando que elas não levam a nada. Isso só consolida um enorme preconceito contra as ciências humanas (neste caso aqui, as Sociais em particular) de que, por não serem tão "objetivas", não levam a nada. Curiosamente, muitos chamam Antropologia, Sociologia, Psicologia etc. de "subjetivas". Isso é um erro primário que precisa ser combatido. Não é porque elas não se pautam pelos mesmos princípios das hard sciences que elas não têm objetividade, que não são ciências. Aí, uma boa leitura de T. Kuhn ajudaria.

Pelo que li da matéria (é preciso afirmar que  não tomamos conhecimento direto das declarações de Caldeira ou de Rocher), as análises dos dois não são excludentes. Existem elementos importantíssimos nas constatações da antropóloga brasileira (talvez a mais relevante seja a possibilidade de uma inclusão política da periferia por meio da tomada de uma consciência de participação - até agora praticamente presente somente nas manifestações artísticas). Isso é muito importante. Aliás, ontem foi divulgado no Fantástico, uma pesquisa feita pelo IBOPE, a pedido da Rede Globo, sobre o perfil dos manifestantes. Como disse um entrevistado a telejornal da emissora: "Não é só playboy que tá aqui. Tem trabalhador. Eu sou trabalhador e estudo! Sou da periferia!"

Eu só penso que não é o momento de tirarmos conclusões, mas sim, de colecionarmos hipóteses plausíveis, investigá-las, compará-las com outros elementos importantes para melhor entendermos tudo isso. Neste sentido, os dois - Teresa Caldeira e Sébastien Roché - estão corretos. Suas hipóteses não são excludentes. Se é Paris de 1968 ou Paris de 2005 é um detalhe que o tempo resolverá. É preciso entender que "modelo", em Ciências Sociais, não é uma capsula para aprisionar qualquer interpretação da realidade, mas é um guia para que seja possível fazer as comparações necessárias, que o método destas ciências requer. Talvez não seja nem um nem outro. Talvez seja Brasil 2013.
Reflexão rápida, mas espero ter contribuído para aguçar a necessidade de continuar a pensar sobre o assunto e, mais, da necessidade de mais análises nesse momento que pode ser (ainda está cedo para afirmar) histórico. Muita coisa ainda precisa e será dita. Aos poucos, o conhecimento sobre este momento vai-se acumulando e nos ensinando uma lição muito importante: é assim que se faz história!!!

Espero que nossa classe política entenda esta lição das ruas. É simbólica a relação entre uma das imagens mais criticadas do nosso Hino (o "Gigante Eternamente Adormecido"), com o despertar de um povo que se sentia completamente impotente para alterar, com as próprias forças, aquilo que está ruim e que precisa ser mudado na sociedade. Talvez, sem perceber, o MPL tenha cumprido este importante papel histórico: despertou toda a demanda reprimida da sociedade. Como disse um dos cartazes que fotografei numa das manifestações: "Não é por preço$, mas por valores!".
Grande abraço.
Fred Lucio.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

A premência pela boa informação

Diante dos processos que vêm ocorrendo no Brasil e dos quais somos todos testemunhas, incentivadores e construtores, é preciso tomar muito cuidado com o poder de disseminação da desinformação promovido pelas mídias sociais. Se, por um lado, a democratização e horizontalização da informação é um avanço dos mais importantes que já ocorreram nos últimos tempos, ele traz no seu interior o grande vício da dificuldade de desenvolver senso crítico para separar "o joio do trigo". Assim, informações mal articuladas, sem muito fundamento, análises superficiais e muitas vezes assentadas em pressupostos equivocados são disseminadas como se fossem grandes verdades gerando mais medo e apreensão em muitas pessoas.

Mantenho-me firme à ideia que já mencionei há alguns dias: qualquer fato histórico só pode ser razoavelmente compreendido a posteriori. Ou seja, não dá pra se ter um diagnóstico nem de longe preciso sobre ele no momento em que ele ocorre. Isso não significa que não se possa envidar esforços para isso. Muito pelo contrário: o momento agora é justamente o de tentar compreendê-lo, nas suas várias facetas e não de tentar rotulá-lo ou encapsulá-lo numa definição que seria, sem dúvida, reducionista e medíocre. É isso o que cientistas sociais (antropólogos, cientistas políticos, sociólogos), economistas, psicólogos, filósofos etc. vem tentando, com muita competência em sua grande maioria, fazer. Sob várias óticas, as peças de um complexo quebra-cabeças vão sendo montadas e vão ajudando a formar esta compreensão. Nesse momento, a boa informação é o melhor caminho. De uma maneira mais simples e objetiva, para aqueles que não são acadêmicos e que querem desenvolver este senso crítico, sugiro a escolha de fontes confiáveis, pessoas credenciadas e, o que é mais importante: juízo próprio baseado em princípios racionais e não emotivos.

Mas, insisto, é preciso tomar cuidado. Se desinformação gera o medo, a informação deturpada (muitas vezes propositalmente), superficial e medíocre  gera a uma insegurança maior ainda.

Em meio a tudo isso, recomendo este pequeno "drop" que foi ao ar ontem e hoje pela Globonews. Excelentes colocações da Antropóloga e Cientista Social, Jacqueline Muniz, especialista em segurança. Assistam, são 10 minutos que valem a pena. (das entrevistas de 5 minutos).

1) ONTEM, 20 DE JUNHO DE 2013 - Jornal da Globonews, edição das 10h00m: Erro de avaliação pode ter contribuído para tumulto no final da manifestação no Rio.

2) HOJE, 21 DE JUNHO DE 2013 - Jornal da Globonews, edição das 10h00m: A polícia tem que se fazer presente agindo nos limites de sua ação, diz Antropóloga

Para os que querem melhor se aprofundar, sugiro a leitura deste excelente artigo da antropóloga em colaboração com outros autores, publicado em sem blog.
Da Governança de Polícia à Governança Policial: controlar para saber governar

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Brasil: Moinho de gastar gentes

Texto originalmente publicado no Blog Nota Alta da ESPM em 25 de outubro de 2012. 


“Por isso mesmo, o Brasil sempre foi, ainda é, um moinho de gastar gentes. Construímo-nos queimando milhões de índios. Depois, queimamos milhões de negros. Atualmente, estamos queimando, desgastando milhões de mestiços brasileiros, na produção não do que eles consomem, mas do que dá lucro às classes empresariais.” 
(Darcy Ribeiro, O Povo Brasileiro)

Nesta semana, as mídias sociais se viram invadidas por uma enxurrada de posts a respeito do suposto suicídio coletivo da etnia Guarani-Kayowá que teria sido manifesto numa carta enviada à Justiça Federal. A este respeito, algumas informações são necessárias mas, antes de tudo, é muito importante que se leia a carta efetivamente escrita e enviada pelas lideranças indígenas.
Lida a carta, o que se constata é que estão sendo veiculadas pelas mídias sociais duas versões de sua interpretação. Uma indicando que eles estão para “cometer um suicídio coletivo” a outra, é a de que eles mencionam apenas “morte coletiva”. Citando um trecho da carta, depois de expor toda a violência que já sofreram e sobre a decisão da Justiça Federal de que abandonem suas terras: “Queremos deixar evidente ao Governo e Justiça Federal que por fim, já perdemos a esperança de sobreviver dignamente e sem violência em nosso território antigo, não acreditamos mais na Justiça brasileira. A quem vamos denunciar as violências praticadas contra nossas vidas? Para qual Justiça do Brasil? Se a própria Justiça Federal está gerando e alimentando violências contra nós.  Nós já avaliamos a nossa situação atual e concluímos que vamos morrer todos mesmo em pouco tempo, não temos e nem teremos perspectiva de vida digna e justa tanto aqui na margem do rio quanto longe daqui. (…) Cientes desse fato histórico, nós já vamos e queremos ser mortos e enterrados junto aos nossos antepassados aqui mesmo onde estamos hoje, por isso, pedimos ao Governo e Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo/expulsão, mas solicitamos para decretar a nossa morte coletiva e para enterrar nós todos aqui. (…) Pedimos, de uma vez por todas, para decretar a nossa dizimação e extinção total, além de enviar vários tratores para cavar um grande buraco para  jogar e enterrar os nossos corpos. Esse é nosso pedido aos juízes federais.”
De fato, se a lermos atentamente, é fácil constatar que eles não mencionam “suicídio”, mas solicitam à Justiça que, ao invés de os expulsarem daquilo que é o seu território ancestral, decretem de uma vez por todas a sua extinção. Muito provavelmente, a ideia de “morte coletiva” acabou sendo deduzida e difundida pelas mídias sociais devido à conhecida trajetória histórica deste povo que os levou a ter mais de 900 casos de suicídio em pouco mais de 20 anos – este indicador por si só, especialmente para uma população razoavelmente diminuta, é extremamente alarmante.
A este respeito, baseado numa nota do CIMI (ONG indigenista que, apesar de confessional e católica, tem uma das tradições mais ilibadas na militância em defesa dos direitos das populações indígenas brasileiras), divulgou uma nota alertando para esta interpretação distorcida de que eles estariam ameaçando cometer “suicídio” coletivo e do desserviço que esta interpretação presta à sua luta.
Durante quatro anos, nos idos de 1980, trabalhei em aldeias e convivi intimamente com a etnia Guarani que, em território brasileiro possui três subdivisões identificadas por etnólogos e linguistas: Guarani-Mbyá, Guarani-Txiripá e Guarani-Kayowá (estes, alvos da polêmica em questão, predominando principalmente em territórios do Mato Grosso do Sul). Para entender a dimensão do problema é preciso entender, como demonstram vários trabalhos acadêmicos (alguns de minha autoria) que a noção de territorialidade é visceral na definição não somente de sua identidade como grupo, mas de sua própria caracterização como seres humanos. Um exemplo simbólico é que a própria palavra território em guarani “teko´á” deriva da palavra “teko”, que é a raiz etimológica que define o seu próprio “modo de ser” (ñhandereko = nosso modo de ser, nossa cultura, nosso “eu” cultural). Na cosmologia deste povo, ser expulso de seu território é ser alijado da própria condição humana e, portanto, não ser digno de continuar vivo.
Finalmente, é importante que se diga ainda que a pretensa polêmica sobre se foi dito “suicídio coletivo” ou “morte coletiva” é uma falácia e em nada diminui a importância da enorme mobilização nas redes sociais para alertar autoridades para a verdadeira tragédia que é alijar estas populações de seu direito básico ao seu território e ao seu modo de vida fundamental. Direito este, aliás, garantido pela nossa Constituição. Não se trata nem de lei ordinária ou decreto: é a própria Carta Magna do país. No Brasil, segundo a Constituição, terra de índio não se vende, não se compra. Nem a Justiça Federal tem o poder de mudar isso. A ocupação sistemática de territórios indígenas, corroborada pela negligência de um Estado que não soube cumprir o seu papel neste quesito é, sim, a grande tragédia que se tem imposto às comunidades indígenas brasileiras como um todo há mais de 40 anos. O primeiro estatuto do índio, ainda é da Ditadura Militar, e já garantia aos índios a posse de suas terras. A Constituição de 1988 incorporou os princípios da lei de 1973 e manteve esta garantia que nunca foi respeitada em sua plenitude por nenhum governo civil que sucedeu o chamado regime de exceção.
Desta forma, a situação atual a que os Guarani-Kayowá estão nos chamando a atenção, diz respeito não somente a eles e à solução de um problema deles, mas ao próprio conceito de Justiça e às manipulações a que o poder judiciário está sujeito, especialmente na esfera federal. Afinal, este deveria ser o primeiro e principal guardião dos princípios estabelecidos pela Carta Magna.

Seguem dois links importantes:

1) Nota do CIMI sobre a distorção da interpretação da carta dos Guarani-Kayowáa (contém também o texto na íntegra da carta escrita pelos Guarani-Kayowá).
http://cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=6578&action=read

2) Nota do Blog do Luís Nassif (do UOL) sobre estes fatos.
http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/cimi-nega-suicidio-coletivo-de-guarani-kaiowas
Os Paradoxos do Conceito de Raça
Este texto foi originalmente postado no Blog Nota Alta da ESPM em 02.10.2012


Recentemente, um episódio envolvendo uma professora da Universidade Estadual do Pará (UEPA) – curiosamente uma antropóloga especializada em religiões afrobrasileiras – e um funcionário da segurança, recolocaram na mídia o problema da questão racial no Brasil. Este episódio e a discussão sobre cotas raciais nas universidades reacenderam um debate que expõe algo muito curioso sobre o tema: apesar de todos os avanços conquistados pelas Ciências Sociais no que tange a temática racial, muito pouco efetivamente se sente da incorporação destas conquistas pelo senso comum, ou seja, por aqueles que não fazem parte do universo da “academia”.

Tema bastante discutido na primeira metade do século XX, os problemas racial e da miscigenação parecem ainda muito mal resolvidos no campo social brasileiro. Além dos exemplos de discriminação que se multiplicam pela sociedade (a despeito das conquistas no campo jurídico), percebe-se com muita força a presença, na opinião pública em geral, ainda que de forma inconsciente, alguns dos mais fortes pressupostos novecentistas que alimentaram (e continuam alimentando) práticas discriminatórias. Discutir o tema em poucas linhas é um desafio e tanto. Por isso, optei por trazer algumas breves considerações sobre o conceito de raça (tanto no campo da biologia quanto no campo das ciências sociais) e suas implicações para, pelo menos, proporcionar um esclarecimento superficial sobre o conceito que fundamenta este debate.

Herdeiros do embate entre uma tradição positivista do século XIX (que no campo dos estudos da relação entre raça e cultura incorporaram as teses eugenistas e deterministas do evolucionismo cultural – em especial sob os efeitos do pensamento de Joseph Arthur de Gobineau) e aquela abordagem culturalista de Franz Boas e seus descendentes intelectuais, os pensadores brasileiros dividiram-se na análise acerca dos efeitos da mestiçagem sobre a formação da nossa cultura. Nas ciências sociais, este debate começou a ganhar novos rumos somente a partir da publicação de Casa-Grande e Senzala, de Gilberto Freire, que pode ser considerado um marco na derrocada das teses do determinismo biológico-racial. Mas isso, como se sabe, de longe representou um termo à discussão (e, muito menos uma valorização das contribuições multirraciais – sobretudo aquelas de origem africana – para a formação da nossa constituição física). Sim, porque no plano simbólico das contribuições culturais, parece ser mais aceitável o papel desempenhado por estas etnias. Mas no plano concreto, da configuração da multiplicidade de tipos físicos, isso ainda parece ser um problema para boa parte dos brasileiros.
Um grande problema, para o senso comum, é justamente a dificuldade que muita gente tem de entender que o conceito de raça (em particular quando se fala da espécie humana) não possui a menor consistência científica. Vejamos as bases desta constatação.

Embora a palavra e a ideia de “raça” remontem ao século XVI, o seu estatuto científico foi dado pelo sueco Carl von Lineu quando da publicação, em 1776, do marco na taxonomia biológica, o seu “Systema Naturae, per Regna Tria Naturae secundum Classes, Ordines, Genera, Species” (publicado em francês com o título “Sistême de la Nature – de Charles de Linné). Ao lançar as bases para o moderno sistema taxonômico ainda hoje utilizado pela biologia, Lineu propõe a ideia de que a espécie humana poderia ser dividida em subespécies, com base no fato de que existiriam diferenças genotípicas substantivas que levariam às diferenças fenotípicas observadas dentro da espécie humana. Tal seria a base para se construir, na biologia, o conceito de raça: esta seria uma subdivisão de uma espécie em subespécies. A própria etimologia da palavra remontaria ao termo latino “ratio” (de “razão”, termo matemático para “divisão”).

Apesar de equivocado, pois a ciência do século XX demonstrou que o geneticamente não há variações substantivas na espécie humana que justifiquem a sua subdivisão em subespécies, a proposição de Lineu não chegou a ser um problema do ponto de vista das relações entre os povos. O grande “mal” começa com Joseph Arthur de Gobineau quando publica o seu “Essai sur l´innégalité des races humaines” (“Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas”). Como o próprio título indica, Gobineau (conhecido como “pai do racismo científico”) afirma a tese de que haveria uma relação de hierarquia (desigualdade e não apenas diferença) entre as raças. E mais: uma relação de determinação entre raça e cultura, o que implica, em última instância, que um povo de raça superior só poderia produzir uma cultura de nível superior (e vice-versa) ou, mais extremo, um povo de raça inferior jamais poderia produzir uma cultura superior.

Esta ideia acaba ganhando força na Europa positivista e colonialista do século XIX e invade o século XX. Entretanto, o fato de que tanto a biologia quanto a antropologia tenham demonstrado à exaustão que essas ideias não encontram o menor lastro com a realidade, elas se consolidaram de tal maneira no imaginário das pessoas o que acabou levando a  sua reificação, transformando-a num fato sociológico da mais alta relevância. Talvez raça seja um dos melhores exemplos, nas relações entre grupos sociais, de uma crença sem fundamento empírico que assume concretude e constroi um campo de forças antagônicas, muitas vezes violento, na medida em que é somente a partir destas ideias que raça passa a ser utilizada como critério de classificação entre povos. Os povos eram classificados por origem, religião, cultura, língua etc., mas nunca, antes do século XVIII o critério biológico apareceu como fator de classificação.

Embora a ciência afirme que não existem raças, as pessoas seguem sendo discriminadas e sofrendo violência por conta da “raça” (aquela em que se acredita), numa concretização violenta de relações de alteridade. Como afirma Castoriadis, “O Racismo participa de alguma coisa muito mais universal do que aceitamos admitir habitualmente. O racismo é uma transformação ou um descendente especialmente violento e exacerbado (arrisco-me até mesmo a dizer: uma especificação monstruosa) de uma característica empiricamente quase universal das sociedades humanas. Trata-se, em primeiro lugar, da aparente incapacidade de se constituir como um si mesmo sem excluir o outro; em seguida, da aparente incapacidade de excluir o outro sem desvalorizá-lo, chegando, finalmente a odiá-lo.”

Uma fita de Moebius do ódio sem fundamento que fundamenta uma crença que leva ao ódio.

Todas as cores do mundo


A propósito do projeto de "Cura Gay" da CDHM em Brasília.
Texto originalmente publicado no Blog Nota Alta (ESPM) em junho de 2013.

“Não se nasce mulher. Torna-se mulher.” (Simone de Beauvoir)

Creio que seja por demais significativo o fato de que Psicanálise e Antropologia tenham sido duas ciências com surgimento tão tardio na história do pensamento ocidental. Muito mais preocupados com as questões que nos são externas (o mundo, a natureza, os processos históricos e até mesmo a transcendência, a espiritualidade etc.), fomos deixando para trás a necessidade de compreender quem somos de um ponto de vista mais holístico e completo. Foi assim que, no nem tão longínquo século XIX, formou-se a presunção de que bastava conhecermos a nossa realidade material (e natural, “biológica”) para que pudéssemos nos compreender a nós mesmos naqueles aspectos considerados mais relevantes. Afinal, afirmavam essas teses novecentistas, em última instância, somos determinados por nossas bioquímicas moleculares, neurológicas ou qualquer reducionismo biológico-comportamental que o valha. Pensar o ser humano se reduzia, pois, a pensar sua condição natural, sua animalidade.

Num primeiro momento de sua constituição como campo científico, a Antropologia e a Psicologia caíram nesta armadilha positivista e reducionista, de explicar tudo o que diz respeito às ações e comportamentos humanos (seja do ponto de vista coletivo – a primeira -, seja do individual – a segunda) com base nas relações determinantes e deterministas de sua constituição fisiológica. Esta seria alegadamente a grande “matriz” de onde emanam os eflúvios de nos ditam e, em última instância, explicariam nossas ações. E mais: poderíamos intervir sobre elas para “corrigir” eventuais erros desta mesma natureza, vista assim como nem tão perfeita e infalível. No campo da Antropologia, algumas variantes perversas deste pensamento tiveram sua concretização com consequências extremamente nefastas na história, sendo as ideias de “raça” e “sexo” duas das mais relevantes.

Com relação ao exercício da sexualidade, o mais curioso é que neste reducionismo naturalista (ou naturalizante), não se percebe o que talvez seja o maior de todos os equívocos. De um lado, nós seres humanos fazemos questão o tempo todo de manter nossa distinção (e superioridade, por que não?) contra os demais seres da natureza (afinal, nos diz o mito fundador de nossa civilização, somos “criados à imagem e semelhança da perfeição de um deus”). Inclusive relegando à esfera da animalidade (Natureza) aqueles que não estão em adequação ao espaço da Cultura: porco para aquele que é sujo; vaca ou galinha para a mulher que tem um comportamento sexual “desregrado”; garanhão, para o homem que prova sua virilidade na conquista das fêmeas etc. Do outro, para manter os padrões morais de uma sexualidade institucionalmente controlada e normatizada, construídos ao longo de séculos, jogamos no lixo esta distinção da cultura e o consequente pedestal autoconstruído, regredindo ao momento lógico da anti-cultura, da anti-sociedade. Advogamos certas características “naturais” como sendo o fundamento daquilo que é considerado “correto”, “justo” e “praticável”, evidentemente que com a consequência de condenar toda forma que não se ajusta a este quadro (isto é, não se enquadra) como sendo anômala, desviante e, muitas vezes, criminosa. Sem perceber tal incoerência lógica, estas ideias nos remete de novo à condição simbolicamente renegada da “animalidade”, desprezando justamente a nossa “humanidade”. O etnocentrismo característico da cultura ocidental vai mais longe e comete o equívoco básico da arrogância e da prepotência neste tema (entre tantos outros): pressupor uma universalização deste comportamento sexual tido como “natural” (e de suas variantes sociais tais como as práticas matrimoniais, o próprio conceito de família, paternidade, sistemas de parentesco etc.), claro que pautado pelo modelo da família ocidental europeia.

Sendo a Antropologia, no seu sentido etimológico mais puro, a “ciência do homem”, é de se esperar que ela traga luzes para sepultar deste debate os ranços tanto do determinismo biologizante do comportamento sexual, quanto do etnocentrismo que coloca o modelo europeu de sexualidade (e, correlatamente, família, casamento e parentesco) como parâmetro universal a ser seguido por todos.
A construção do conceito de gênero (tanto na Psicologia quanto na Antropologia) é um dos maiores exemplos de como a questão pode ser trabalhada de forma muito mais ampla e complexa para se compreender (sem prejulgar, condenar ou classificar como anomalias, aberrações ou, pior ainda, patologias) a enorme variedade de possibilidades que a sexualidade humana encerra. Evidentemente que a natureza nos fornece uma matriz (XX ou XY). Isso é fato. O que não se pode menosprezar (como fazem as teses do determinismo biológico – ainda que disfarçadas de uma roupagem pseudo sofisticada do péssimo e empobrecido uso que se vem fazendo de uma grande ciência como a neurociência contemporânea) é que, como característica fundamental que nos confere nossa humanidade, a nossa racionalidade nos dota de uma dimensão extremamente importante, capaz de criar construções, significações e, portanto, operacionalizações sociais destas mesmas construções: trata-se da nossa dimensão simbólica. Extremamente poderoso, nosso simbolismo está presente em várias esferas da nossa vida, e a todo momento dá um recado para a mãe-natureza: tudo bem, você me criou um ser vivo, sujeito às suas “leis”; mas eu sou mais poderoso que você e recrio, reinvento, essas leis, fazendo-as se cumprir do jeito que eu quero. Nós, seres humanos, não somos determinados por elas; ao contrário, nós a determinamos. A questão é: somos naturais e culturais ao mesmo tempo, mas o que, de fato, nos difere dos demais animais? Se a explicação do comportamento humano for, em última instância, natural ou biológica, a resposta é “nada”. Somos meros animais. Isto evidentemente escapa à percepção das mentes menos aguçadas.

A sexualidade é um entre tantos campos em que este embate entre Natureza e Cultura é operado. As inúmeras sociedades humanas espalhadas pelo globo são um celeiro de exemplos da enorme variedade disso. Assim, por exemplo, o clássico grupo Trobriandês (analisado por Malinowski no início do século XX), ignora completamente que a geração de uma criança está vinculada ao ato sexual: para eles, é um ato totalmente espontâneo e exclusivamente feminino. A consequência social disso é que construíram uma sociedade com base matrilinear e um conceito de família que não considera e existência de um pai (o homem é apenas o marido da mãe, para uma criança). Fato, aliás, que ensejou um debate entre Malinowski e Freud a respeito do pressuposto universal do complexo de Édipo. Ou, mais radicalmente ainda, a instituição do casamento entre mulheres entre os Nandi do Quênia Ocidental (analisado por Regina Oboler) que classifica uma das mulheres (a mais velha) como um “female-husband”: o mais curioso é que os filhos aí gerados são das duas (independentemente, como nos ensina nossa “biologia”, de ter havido um ato sexual com um homem). A literatura etnográfica em antropologia multiplica exemplos assim tidos, pelos olhos ocidentais, como “exóticos” e “bizarros”, mas que nos ensinam muito sobre esta enorme possibilidade e que é de fato “ser humano”: inventar, criar sobre a Natureza, afirmando nossa diferença sobre ela. O que interessa não é o dado natural, corroborado pela Biologia (ciência), mas a construção, a classificação social do que é e de como deve ser praticado o ato sexual e, por conseguinte, a construção da sexualidade. E estas sociedades funcionam muito bem assim, obrigado!

Mais próximo a nós, podemos citar a enorme variação de gêneros historicamente construída, grande parte de difícil compreensão para as pessoas. “Homem e mulher” deixam de ser a polaridade básica substituída por realidades como gays, lésbicas, transgêneros (natureza de um sexo e psiquê de outro), travestis (mulheres fálicas) etc. Uma enorme “sopa de letrinhas” em forma de sigla (GLS, GLBT, GLBTT, LBGT etc.) que vem caracterizando o movimento político da diversidade sexual, parodiando e expressão-título da dissertação de mestrado de Regina Facchini. O que dirá então de certas variantes ainda mais difíceis de serem compreendidas como um transgênero lésbico, por exemplo (o cara com um corpo de homem, psiquê de mulher e cujo desejo é ter relações sexuais com mulher como mulher – e não como homem). O fato é que a dificuldade de lidar com estas categorias leva as pessoas ao mais cômodo: ao invés de procurar compreendê-las, rotulam-nas como anomalias, quando não, patologias e com isso o assunto parece encerrado. E não está, obviamente. Ignora-se também que a única patologia aí presente é a de uma sociedade que não consegue encarar possibilidades mais ricas de exercício da diversidade no campo da sexualidade, tentando reduzir a realidade a um simplismo que ela não tem.
Gosto sempre de mencionar em minhas aulas o caso dos travestis, especialmente aqueles com quem a maior parte da população tem contato, que são os que estão na rua, prestando serviço sexual (prostituição). Talvez não exista categoria de gênero que mais escancare o moralismo e a hipocrisia da sociedade no campo da sexualidade. Diferentemente do transgênero masculino (que quer extirpar o símbolo de sua ambiguidade, o pênis), o travesti faz questão de mantê-la. Ele não quer ser uma simples mulher: quer ser mulher com falo. E o travesti que se prostitui sabe que isso é um diferencial “mercadológico”, se podemos colocar nesses termos: levantamentos feitos por sexólogos (cientistas sociais) revelam que quem o procura, em sua grande maioria, são homens casados e cujo desejo é ter uma relação passiva com uma mulher de falo. Se levarmos em conta que o que define a homossexualidade é o amor e o desejo pelo outro do mesmo gênero, o mais desafiador para a compreensão das pessoas neste caso específico é que isso não necessariamente torna este homem um homossexual, pois ele apenas quer ter prazer em uma região do seu corpo socialmente condenada aos homens. Isto é um outro campo fertilíssimo para discussão e debate. Talvez, por esse escancaramento de uma verdade que se quer ocultar, este grupo (os travestis) seja alvo das maiores violências e atrocidades, especialmente (como mostram as estatísticas) por parte de jovens.

Finalmente, em tempos de efervescência político-social por conta de direitos que atingem minorias sexuais, creio que esta discussão se afirma com toda a relevância. Principalmente no momento em que o retorno de um certo primarismo reducionista do cultural pelo biológico se faz presente com toda força em algumas esferas do debate jurídico-político (onde decisões que afetam diretamente a vida das pessoas são tomadas). Digno de nota são os levantes ocorridos na França nas duas últimas semanas contra a aprovação do chamado “casamento gay”; ou as manifestações contra o atual presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, em Brasília, sob a acusação de homofobia e racismo e que está para apresentar nesta Comissão um projeto popularmente denominado “Cura Gay”, já comentado pelo colega Pedro de Santi neste blog.

Neste sentido, é extremamente simbólico que a bandeira do arco-íris do movimento gay – que se tornou conhecida do grande público por conta da crescente visibilidade da Parada do Orgulho Gay em São Paulo (e no resto do mundo) – não tenha as preconizadas 7 cores do fenômeno natural cujo nome ela porta: possuindo 6, não 7, cores, ela é um símbolo daquela afirmação da Cultura sobre a Natureza. O reconhecimento simbólico de que, o que importa para o ser humano, são suas criações, suas elaborações, suas construções e não uma mera reprodução do que é o campo natural. Se assim fosse, qual a vantagem de ser e nos orgulharmos de ser humanos?


Palavras Iniciais

Olá,

Bem vindo a um espaço que, antes de mais nada, é despretensioso. Ou melhor, se há alguma pretensão é a de exercitar a arte da escrita, refletindo livremente sobre fatos, idéias, cinema, filosofia enfim, tudo o que valer a pena pensar.

Como se não bastasse a exigência da profissão, eu mesmo me impus a necessidade de registrar meus pensamentos os quais, reconheço, considero valiosos pela única e exclusiva razão de serem meus, de representarem meu ponto de vista sobre as coisas. Nada mais. É, pois, nesse exato sentido que me refiro à ausência de pretensão. Quero apenas falar. Falar livremente. E se o transeunte cibernético que por aqui se aventurar sentir que vale a pena iniciar um diálogo a respeito das idéias apresentadas (as quais, já adianto, não serão tão aprofundadas), vou sentir que terá alguma utilidade para além da minha própria extravasão.

Apesar de relativamente antigo, eu me esqueci completamente da criação deste espaço. Nele havia deixado, oculto, um único texto que resolvi publicar mesmo estando inacabado. A ele retorno com o propósito de alimentá-lo com mais frequência, o que para mim será extremamente benéfico, inclusive do ponto de vista pessoal. Vou aproveitar para registrar outros escritos, feitos em outras épocas - pré-internáuticas ainda - que certamente revelarão um outro Fred (principalmente para aqueles que já me conhecem).

Espero que o leitor que por aqui passar possa encontrar alguns pontos sobre os quais pensar. E, se sua generosidade permitir, deixar a contribuição de suas opiniões e seus pensamentos a respeito do que encontrar registrado para, inclusive, provocar minha contrarreflexão.

Boa leitura e obrigado pela visita.
Fred

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