Em julho de 2002, pela primeira vez na história da ESPM, um grupo de alunos reservou suas férias para um programa bastante inusitado: nada de mochilar pela Europa ou em algum lugar exótico no Pacífico Sul; nada de viagem a algum país para uma imersão em língua estrangeira; nada de praias, fazendas, casa da avó, descanso. Ao invés disso, muito trabalho! No lugar de fazer um investimento em seu capital profissional e técnico, eles preferiram investir no capital social, a partir de uma proposta elaborada pela própria escola: viajaram para o Nordeste brasileiro para participar do programa Universidade Solidária, que levava estudantes universitários de grandes centros urbanos para partilhar seus conhecimentos com comunidades social e financeiramente carentes, ajudando a resolver problemas de desenvolvimento social e humano nas regiões mais pobres do Brasil.
Essa iniciativa, concebida e concretizada pelo idealismo do professor Ismael Rocha, logo encontrou em um grupo de alunos - e no autor deste texto - todo o apoio de que necessitava para que fosse colocada em prática. Muitos questionaram sobre as efetivas contribuições que os alunos da ESPM poderiam dar e que não caíssem no mero e tradicional "assistencialismo". Afinal, os trabalhos voluntários no Brasil estão muito voltados para a área de saúde, assistência social e alguns projetos de desenvolvimento econômico. Porém, posso afirmar com a experiência de quem atuou mais de dez anos em comunidades rurais e indígenas em várias regiões do Brasil que, em sua grande maioria, tais projetos emperravam justamente naquele ponto em que os alunos da ESPM puderam oferecer sua melhor contribuição: na inserção no mercado dos produtos e serviços oriundos dessas iniciativas de caráter econômico possibilitando, com isso, um real retorno para as comunidades que os produzem.
Foram duas as equipes formadas, cada uma com 10 alunos dos cursos de Comunicação e Administração (à época, os únicos cursos que havia na ESPM). Uma, sob a coordenação do prof. Ismael Rocha, foi para a cidade de Belém de Maria, no agreste pernambucano. A outra, coordenada por mim, foi para a cidade de Maragogi, no litoral de Alagoas. Ambas, cidades muito pobres, mas com projetos de iniciativa econômica que precisavam justamente desse incentivo na área de Marketing, Comunicação e Gestão para se desenvolver. Em Maragogi, inclusive, um outro projeto trouxe para a própria ESPM uma contribuição inesperada da mais alta relevância: por solicitação da prefeitura do município, um aluno de Administração elaborou um diagnóstico dos problemas administrativos enfrentados pela gestão municipal apresentando, ao final, um plano de ação para melhorias nas áreas mais deficitárias. Esse trabalho resultou não somente em propostas muito bem estruturadas que foram elogiadas pelo prefeito, como trouxe para a ESPM uma preocupação com a Administração Pública que passou a integrar o cardápio de disciplinas optativas.
As equipes permaneceram nesses municípios por três semanas (exatos 21 dias) em condições bastante modestas de instalação fato que, diga-se de passagem, aumentou ainda mais o espírito de cooperação e a solidariedade na equipe. Ali, mais importante até do que os trabalhos técnicos desempenhados com um grande profissionalismo, vivenciaram experiências de contato com uma realidade social bem difícil, bem distinta daquela com que sempre lidaram: visitas a assentamentos do MST, trabalhos com professoras da rede pública de ensino (as alunas envolvidas nesse projeto chegaram a elaborar um livro - não publicado - com visões de mundo dessas professoras), visitas a favelas, grupos de pescadores, organização de gincanas, festivais de comidas típicas e revitalização da cultura local, enfim, um sem-número de atividades que certamente tornaram esses alunos, hoje já formados e profissionais bem estabelecidos em suas carreiras, pessoas com uma visão diferenciada da realidade e com uma consciência igualmente diferenciada de seu papel como cidadãos na construção de um Brasil (e um mundo) mais humano e mais igualitário. Para esses alunos, fazer carreira, lograr êxito profissional, construir projetos individuais não são objetivos incompatíveis com a sua contribuição (do seu tempo, do seu esforço, do seu trabalho) para que esse mundo seja realmente um mundo melhor.
Naquele momento, em que não somente a discussão mas, principalmente, as ações de responsabilidade social davam seus primeiros passos consistentes na ESPM, tal iniciativa representou para a ESPM SOCIAL, que estava nascendo, um forte impulso em sua consolidação. A partir daí, muitas histórias puderam ser vividas. Outras experiências semelhantes (em outras cidades do Nordeste e no Vale do Ribeira – região mais pobre de São Paulo) puderam ser partilhadas o que, como ganho adicional, consolidou ainda mais laços de amizade e companheirismo entre os alunos que dela participaram.
Resolvemos os problemas sócio-econômicos dessas comunidades? Certamente não. Nem tínhamos essa pretensão megalômana. Entretanto, deixamos lá uma pequena contribuição para que aquelas pessoas pudessem caminhar com novos conhecimentos. Mas a herança mais nobre e profunda certamente não foi a deixada por nós; foi a plantada por eles em nossas vidas: a de que é possível ser digno e nobre mesmo nas condições mais adversas. A pobreza não está necessariamente na ausência de bens materiais, mas na ausência de perspectiva de que o mundo pode ser bom e que a vida é um constante desafio a ser enfrentado de cabeça erguida. Perspectiva, aliás, inserida no próprio logo da ESPM Social.
Essa iniciativa, concebida e concretizada pelo idealismo do professor Ismael Rocha, logo encontrou em um grupo de alunos - e no autor deste texto - todo o apoio de que necessitava para que fosse colocada em prática. Muitos questionaram sobre as efetivas contribuições que os alunos da ESPM poderiam dar e que não caíssem no mero e tradicional "assistencialismo". Afinal, os trabalhos voluntários no Brasil estão muito voltados para a área de saúde, assistência social e alguns projetos de desenvolvimento econômico. Porém, posso afirmar com a experiência de quem atuou mais de dez anos em comunidades rurais e indígenas em várias regiões do Brasil que, em sua grande maioria, tais projetos emperravam justamente naquele ponto em que os alunos da ESPM puderam oferecer sua melhor contribuição: na inserção no mercado dos produtos e serviços oriundos dessas iniciativas de caráter econômico possibilitando, com isso, um real retorno para as comunidades que os produzem.
Foram duas as equipes formadas, cada uma com 10 alunos dos cursos de Comunicação e Administração (à época, os únicos cursos que havia na ESPM). Uma, sob a coordenação do prof. Ismael Rocha, foi para a cidade de Belém de Maria, no agreste pernambucano. A outra, coordenada por mim, foi para a cidade de Maragogi, no litoral de Alagoas. Ambas, cidades muito pobres, mas com projetos de iniciativa econômica que precisavam justamente desse incentivo na área de Marketing, Comunicação e Gestão para se desenvolver. Em Maragogi, inclusive, um outro projeto trouxe para a própria ESPM uma contribuição inesperada da mais alta relevância: por solicitação da prefeitura do município, um aluno de Administração elaborou um diagnóstico dos problemas administrativos enfrentados pela gestão municipal apresentando, ao final, um plano de ação para melhorias nas áreas mais deficitárias. Esse trabalho resultou não somente em propostas muito bem estruturadas que foram elogiadas pelo prefeito, como trouxe para a ESPM uma preocupação com a Administração Pública que passou a integrar o cardápio de disciplinas optativas.
As equipes permaneceram nesses municípios por três semanas (exatos 21 dias) em condições bastante modestas de instalação fato que, diga-se de passagem, aumentou ainda mais o espírito de cooperação e a solidariedade na equipe. Ali, mais importante até do que os trabalhos técnicos desempenhados com um grande profissionalismo, vivenciaram experiências de contato com uma realidade social bem difícil, bem distinta daquela com que sempre lidaram: visitas a assentamentos do MST, trabalhos com professoras da rede pública de ensino (as alunas envolvidas nesse projeto chegaram a elaborar um livro - não publicado - com visões de mundo dessas professoras), visitas a favelas, grupos de pescadores, organização de gincanas, festivais de comidas típicas e revitalização da cultura local, enfim, um sem-número de atividades que certamente tornaram esses alunos, hoje já formados e profissionais bem estabelecidos em suas carreiras, pessoas com uma visão diferenciada da realidade e com uma consciência igualmente diferenciada de seu papel como cidadãos na construção de um Brasil (e um mundo) mais humano e mais igualitário. Para esses alunos, fazer carreira, lograr êxito profissional, construir projetos individuais não são objetivos incompatíveis com a sua contribuição (do seu tempo, do seu esforço, do seu trabalho) para que esse mundo seja realmente um mundo melhor.
Naquele momento, em que não somente a discussão mas, principalmente, as ações de responsabilidade social davam seus primeiros passos consistentes na ESPM, tal iniciativa representou para a ESPM SOCIAL, que estava nascendo, um forte impulso em sua consolidação. A partir daí, muitas histórias puderam ser vividas. Outras experiências semelhantes (em outras cidades do Nordeste e no Vale do Ribeira – região mais pobre de São Paulo) puderam ser partilhadas o que, como ganho adicional, consolidou ainda mais laços de amizade e companheirismo entre os alunos que dela participaram.
Resolvemos os problemas sócio-econômicos dessas comunidades? Certamente não. Nem tínhamos essa pretensão megalômana. Entretanto, deixamos lá uma pequena contribuição para que aquelas pessoas pudessem caminhar com novos conhecimentos. Mas a herança mais nobre e profunda certamente não foi a deixada por nós; foi a plantada por eles em nossas vidas: a de que é possível ser digno e nobre mesmo nas condições mais adversas. A pobreza não está necessariamente na ausência de bens materiais, mas na ausência de perspectiva de que o mundo pode ser bom e que a vida é um constante desafio a ser enfrentado de cabeça erguida. Perspectiva, aliás, inserida no próprio logo da ESPM Social.
(Este artigo foi publicado no Jornal da ESPM Social em maio de 2009.)
Fred Lucio, antropólogo e professor da ESPM-SP.
Coordenador da ESPM Social
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