Achei bastante interessante o percurso da conversa. Discutir depressão em ambiente de trabalho numa sociedade de mercado, leva, necessariamente, a uma discussão sobre Economia e Economia Capitalista, mais precisamente. E é sempre bom lembrar que quando se discute o fenômeno econômico, é necessário considerar outras formas de abordagem que não a das Ciências Econômicas stricto sensu. Uma área bastante interessante é a Antropologia Econômica, por exemplo. Diferentemente do que levaria a crer o senso comum, quando se pensa uma abordagem da economia sob o prisma da Antropologia, não se buscam os fatores culturais que estão relacionados aos fenômenos econômicos numa relação de determinação (como a produção e o consumo, por exemplo). Isso seria uma leitura até certo ponto superficial. Essa é uma abordagem importante, sem dúvida, mas a efetiva contribuição da Antropologia Econômica está simultaneamente num outro aspecto: compreender os sistemas econômicos como sistemas culturais, ou seja, não somente são produzidos pelo conjunto a que se chama genericamente de cultura, mas também a produzem. Os Antropólogos Econômicos, portanto, buscam compreender simultaneamente quais os sentidos socialmente construídos que levam ao surgimento de determinados processos econômicos numa dada sociedade (ou até mesmo grupos sociais) e, além disso, compreender como a economia também produz e constrói valores culturais, padrões de comportamento coletivo, crenças etc., orientando a vida das pessoas e a própria construção desta sociedade. Em suma: a esfera econômica é produto e produtora da cultura simultaneamente.
Assim, o Capitalismo é considerado um sistema simbólico e cultural - e não apenas econômico - que imprime nas pessoas modos de pensar e de agir, valores e crenças, configurando a teia de significações que são tecidas nas sociedades chamadas “modernas” ou "de mercado" e que servem como referência para seus integrantes. Por exemplo: a partir do nosso nascimento, somos preparados para termos uma família, uma religião e “um lugar no mercado de trabalho” (uma profissão). E, mais do que uma simples relação de trabalho, este “lugar no mercado de trabalho”, via de regra, é considerado o pilar da existência de um indivíduo e, em grande medida, um definidor de sua posição social. Ter uma boa profissão garantiria, simbolicamente: um bom posicionamento social; boas condições de formar e manter uma boa família; condições de consumo; equilíbrio social; e até, perpetuação no tempo (memória) por meio do patrimônio acumulado no processo.
Se, para Marx, a Economia determina as demais esferas da vida social, para uma parte considerável dos antropólogos que estudam os fenômenos econômicos (pelo menos para aqueles que não estão sob influência do marxismo) passa-se algo mais complexo: é porque a sociedade concebe o mundo de um determinado jeito que orienta suas relações econômicas num certo "sentido" (grifo proposital da palavra sentido). Parte-se do axioma (ou postulado - ou seja, uma verdade evidente) de que toda cultura produz significado e está ordenada segundo este significado que é socialmente construído. E o corolário derivado desta verdade é que, se há um significado, há uma racionalidade que lhe é própria. Não no sentido clássico da racionalidade da economia: mas como um determinado grupo manifesta e constrói sua racionalidade nos processos econômicos (que envolvem a clássica tríade: produção, distribuição - ou circulação - e consumo).
Em relação especificamente aos aspectos da produção e do consumo, para um determinado grupo de pensadores da Antropologia Econômica (e aqui eu cito Marshall Sahlins, certamente o nome mais forte que abre esta perspectiva de abordagem), não é necessário consumir mais para se ter satisfação. Muito pelo contrário: o grau de satisfação é dado pelos parâmetros culturais colocados pelo grupo do que é sentir-se satisfeito. Assim, é o significado construído sobre o que é a satisfação que orienta os padrões de consumo. E isso, na obra de Sahlins, tem a ver com o significado do que é abundância e do que é escassez. Aí, é interessante pensarmos numa distinção muito importante, entre sociedades com mercado e sociedades sem mercado. Assim como na Antropologia Política se faz a distinção entre Sociedades com Estado e Sociedades sem Estado. A questão é que, numa sociedade de mercado, onde os padrões de consumo são cada vez mais ampliados, ocorre uma ampliação também dos parâmetros de graus de satisfação. E isso numa curva que, pelo menos simbolicamente, tende ao infinito. Ou seja, cria-se a sensação de que jamais estaremos satisfeitos porque os parâmetros de consumo estão sendo sempre alargados. Isso, claro, repercute sobre a própria relação com o trabalho: tenho que trabalhar cada vez mais, procurando ganhos maiores para satisfazer a crescente necessidade.
Em relação especificamente aos aspectos da produção e do consumo, para um determinado grupo de pensadores da Antropologia Econômica (e aqui eu cito Marshall Sahlins, certamente o nome mais forte que abre esta perspectiva de abordagem), não é necessário consumir mais para se ter satisfação. Muito pelo contrário: o grau de satisfação é dado pelos parâmetros culturais colocados pelo grupo do que é sentir-se satisfeito. Assim, é o significado construído sobre o que é a satisfação que orienta os padrões de consumo. E isso, na obra de Sahlins, tem a ver com o significado do que é abundância e do que é escassez. Aí, é interessante pensarmos numa distinção muito importante, entre sociedades com mercado e sociedades sem mercado. Assim como na Antropologia Política se faz a distinção entre Sociedades com Estado e Sociedades sem Estado. A questão é que, numa sociedade de mercado, onde os padrões de consumo são cada vez mais ampliados, ocorre uma ampliação também dos parâmetros de graus de satisfação. E isso numa curva que, pelo menos simbolicamente, tende ao infinito. Ou seja, cria-se a sensação de que jamais estaremos satisfeitos porque os parâmetros de consumo estão sendo sempre alargados. Isso, claro, repercute sobre a própria relação com o trabalho: tenho que trabalhar cada vez mais, procurando ganhos maiores para satisfazer a crescente necessidade.
Voltando ao ponto de partida da fala da Cristina Helena, ela se vincula muito à fala do Pedro. E me lembrou muito Marx, quando fala sobre a subsunção do trabalho (aquilo que ele chama de alienação, que é sair de si próprio) e o papel do processo de trabalho na sociedade capitalista nessa construção... É o se relacionar com o outro através do objeto, e este objeto é commoditizado, transformado em mercadoria (assim como o próprio trabalho). Em síntese: é o que ele chama de processo de fetichização. Isso parece interessante para se pensar hoje a relação da depressão com o ambiente de trabalho, porque tem a ver com o que o Pedro falou: do excesso, do esvaziamento de sentido (ou significado), do surto de lucidez, e muita gente já enfrenta isso. Como é o nosso caso. Quando você decide ser professor, você sabe que já vai enfrentar, por exemplo, dificuldade econômica e uma série de outros revezes, mas você decide fazer porque você gosta. E aí, você vai em frente. O que leva uma pessoa a fazer, por exemplo, curso de Filosofia (como eu, quando jovem)? Se não for isso. Fica-se muito à mercê da questão da produtividade e da cobrança sobre o professor. E também sobre o pesquisador (afinal, este é o modelo fordista de se produzir, produzir, não importando muito a qualidade do que se produz).
Isso eu vivi muito nos módulos de Capacitação em Metodologias Didáticas, me Lorena, que fiz há alguns dias: os professores (todos de universidades americanas e que já utilizam esses métodos e técnicas há anos) estavam tão ansiosos para passar o máximo de conteúdo possível que muitos se esqueciam de um dos principais itens que sustentam o método: o feedback aos alunos. O desejo por grande produtividade (aqui, no caso, era passar o máximo de conteúdo no tempo disponível) que não se preocupavam com o fato dos alunos estarem ou não assimilando aquele mesmo conteúdo.
O grande problema é que não corresponder a essa projeção que nós mesmos fazemos de nossa profissão, ao mesmo tempo o medo e o estresse de não correspondermos àquilo que esperam de nós (principalmente os nossos contratadores). Isso, somado à pressão própria de nosso trabalho, pode nos levar a certas descompensações emocionais que, muitas vezes, podem existir de forma crônica.
Fechando com o argumento inicial (e a ideia de Sahlins), talvez seja interessante uma revisão (e uma adequação) sobre quais os padrões de exigências são considerados satisfatórios para que não se sobrecarregue o sujeito no ambiente de trabalho (assim como ocorre, por exemplo, com os padrões de consumo na sociedade de mercado). Isso certamente possibilitaria uma maior adequação entre expectativas e modos de corresponder a estas expectativas no ambiente de trabalho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário