quarta-feira, 3 de junho de 2015

Paulofreireando a educação contemporânea: pensando sobre metodologias ativas de ensino-aprendizado.

"Se fosse ensinar a uma criança a beleza da música não começaria 
com partituras, notas e pautas. Ouviríamos juntos as melodias 
mais gostosas e lhe contaria sobre os instrumentos que fazem 
a música. Aí, encantada com a beleza da música, ela mesma 
me pediria que lhe ensinasse o mistério daquelas bolinhas
pretas escritas sobre cinco linhas. Porque as bolinhas pretas 
e as cinco linhas são apenas ferramentas para a produção
da beleza musical. A experiência da beleza tem de vir antes".

"Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas."
          Rubem Alves

Há muitos anos, num curso sobre métodos e técnicas didáticas, ouvi a seguinte história do professor: "Um homem medieval foi transportado numa máquina do tempo para o século XXI. Ele se espantava (e ficava tenso) com tudo o que lhe apresentavam: as máquinas, as fábricas, os carros, a televisão, o cinema, a agitação da cidade... Até que o levaram a uma escola. Aí ele pôde, finalmente, se sentir em casa e relaxar da tensão." 

Sem sombra de dúvidas, a escola (e, por extensão, a sala de aula) tende a se tornar num dos espaços mais conservadores construídos pela sociedade contemporânea. Talvez somente comparável aos templos religiosos, lugar por excelência do culto à tradição. Paradoxalmente, ela guarda uma complexidade das mais instigantes também. Por este motivo, sua concepção requer uma reflexão sobre um importante dilema no campo da educação: como vencer a contradição entre a conservação (processos educacionais comumente tendem à manutenção dos valores da cultura e do comportamento) e a mudança ou a inovação (simultaneamente, esses mesmos processos requerem uma atualização constante, pretendendo estimular a criatividade e o exercício intelectual dos jovens a que se destinam).   

De todo aparato em torno do qual está estruturada a escola, talvez a relação professor/aluno (e o seu par consequente, ensino/aprendizagem - uma das principais razões de ser da instituição escolar) seja um dos mais difíceis de ser trabalhado. E isso se deve, fundamentalmente, a uma resistência dos professores: quase sempre colocando-se como "a" autoridade do processo, muitas vezes envaidecem-se desse lugar e se fechando às transformações da sociedade. Consideram-se os verdadeiros portadores da verdade sobre o processo de aprendizagem o que, quase sempre, leva-os a considerar o ensino como o ponto mais importante do processo: eu ensino com qualidade; se o aluno não aprende, a limitação certamente é dele.

Embora o século XX tenha trazido muitos avanços no âmbito da pedagogia e da didática (o que relativizou muito esta visão), não é raro encontrarmos, em larga escala, profissionais que ainda mantêm esta postura tradicional que estabelece uma relação de educação com um caráter hierárquico e unidirecional, consolidando o paralelo:


professor : ensino :: aluno : aprendizagem

Professor deve ensinar; aluno deve aprender. Professor, sujeito; aluno, objeto.

Principalmente no ensino superior, onde pessoas são alçadas ao posto de docentes muitas vezes sem o devido preparo didático. Afinal, nossos programas de mestrado e doutorado incentivam quase que exclusivamente a dimensão da pesquisa em detrimento do ensino. Para ensinar, basta saber o conteúdo que se pretende ensinar. Não é raro encontrarmos professores considerados autoridades no seu campo de atuação (produzindo conhecimento de um nível elevado por meio de pesquisa ou até mesmo por experiência profissional num determinado mercado de trabalho), mas que não são tão bem sucedidos em suas estratégias didáticas e na relação com seus alunos. Falta-lhes, certamente, um investimento em formação didático-pedagógica (o que, muitas vezes, é bem trabalhado nos cursos de licenciatura). E, também, falta-lhes adotar uma postura até certo ponto humilde, fazendo uma autocrítica: eu posso ser especialista no conteúdo mas será que sou igualmente bom na sua transmissão e no envolvimento dos jovens a quem eu pretendo transmiti-lo? Esta pergunta, fundamental para o processo ensino-aprendizagem, dificilmente é feita por muitos docentes.

Constrói-se, portanto, uma relação de autoridade do conhecimento focado quase que exclusivamente no conteúdo do docente. O aluno, geralmente, funciona como um simples depositário dessas informações, códigos e regras. Objetificado por um "outro" que se coloca como sujeito, o aluno é relegado à condição passiva de "ser ensinado" (não importando se ele aprende). Opera-se com isso uma transmissão de informações, mas não um processo de conhecimento. Este envolve um trabalho racional que vai muito além da simples armazenagem das informações.

Ainda que não seja nova a forte crítica a esta concepção, certo é que no cenário das novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), ela tem sido cada vez menos bem sucedida no mundo inteiro. Principalmente nas universidades consideradas de ponta. Até porque, cada vez, mais, a simples informação está ao alcance de um teclado. O professor já não é mais tão o centro do processo de informação. E isso tem colocado, para educadores, o desafio de pensar a mudança: não somente no âmbito externo a si mesmos, na sua dimensão didática (aprender novas técnicas, novas tecnologias, concepção do espaço físico da sala de aula etc.) mas, principalmente, transformação em si mesmos, no âmbito de sua própria maneira de encarar sua profissão e sua relação com seus alunos.


Se entendemos o truísmo de que o mundo está em constante e acelerada mudança (provocada principalmente pela ampla difusão das TICs), e que esta mudança se manifesta em particular nas novas gerações (herdeiras deste acelerado dinamismo social), precisamos também encarar o fato de que, principalmente no espaço tradicionalmente confinado da sala de aula é necessário pensar como enfrentamos esta mudança e que contribuições o jovem universitário pode trazer para ajudar na vitalidade do processo ensino-aprendizagem na universidade. Lutar contra a mudança é lutar quixotescamente contra moinhos de vento. Afinal, ele é característica quase que intrínseca da sociedade contemporânea. Fazer-lhe uma reflexão crítica sem cair no moralismo condenatório de novos valores e práticas também não é fácil. Isso significa ter uma visão crítica do processo. Ser simplesmente contra ele é algo desprovido de bom senso porque, como todo processo social, acontece independentemente das vontades de alguns de seus sujeitos. Como docentes (e mais velhos), temos que pensar em como lidar com ele, enfrentando nossos medos e resistências.

Se quisermos, de fato, pensar em uma pedagogia mais prazerosa e proveitosa, que também tenha um caráter libertador, parece-me urgente e necessário revermos, como docentes, nossa postura encarando esta mudança interna. Experimentar a mudança de mentalidade sobre como encaramos de fato nosso trabalho de educação. Assumir nosso papel de atuar não somente na transmissão de conhecimento (que é, sim, importante), mas como formadores globais de pensamento (em especial, o pensamento crítico), encarando a subjetivação (e não objetivação) do aluno. É preciso nos perguntarmos o quão flexível somos como educadores; o quanto estamos realmente dispostos a encarar esta mudança de foco no eixo ensino/aprendizagem: desligar-se da ideia de que existe uma pessoa que transmite o conhecimento para a pessoa que o recebe. Encarar o fato de que conhecimento é um processo reflexivo, bem distinto da mera aquisição da informação. E, se é reflexivo, é preciso levar a perspectiva e o mundo do aluno em consideração.

Assim como o debate na Educação há 40, 50 anos (encarnado principalmente nos ideais de Paulo Freire), a perspectiva das Novas Metodologias Ativas de Ensino-Aprendizagem se apresenta hoje como uma possibilidade de vivenciarmos esta mudança de foco do nosso papel de professores (aqueles que "professam" verdades e informações que supostamente levam ao conhecimento) para o de educadores: aqueles que estimulam a formação global - incluindo aí a informação -, o processo reflexivo no uso pleno da racionalidade e que verdadeiramente gera conhecimento. Aquele que traz o "outro" - o aluno - como ator igualmente importante no processo.


Cada vez mais a função principal do educador é a de desafiar o aluno para buscar o conhecimento. Para isso, é necessário ter menos a postura professoral. Afinal, assumir a simples transmissão de dados é relativamente fácil: ficar na frente de uma sala, palestrar e imaginar que os alunos assimilaram aquelas informações. Pesquisas no mundo inteiro mostram que este modelo não atinge um percentual minimamente aceitável de seus objetivos. Por isso, é preciso a mudança. Aqueles que estão sendo bem sucedidos na missão educacional num mundo em que a profusão da sedução tecnológica fala cada vez mais alto, atingem este sucesso exatamente por adotar a postura de desafiar o aluno, considerando sua história, sua perspectiva, suas contribuições. Falam uma linguagem que lhes é mais próxima. Adotam uma postura que lhes é mais familiar e lhes traz à relação simpática. Usam e abusam da criatividade, porque isso motiva, seduz, prende a atenção do jovem universitário que se sente valorizado e sente que aquilo faz parte de sua vida. Respeitam a capacidade, a história de vida, a bagagem trazida pelo aluno. Isso é colocá-lo como sujeito. Partindo do pressuposto de que seu conhecimento não é necessariamente inferior ao do professor, estimula-se a sua criatividade - com as ferramentas necessárias e adequadas (aí as tecnologias podem ter um papel importante) - para que o conhecimento, de fato, seja construído junto. Nesse sentido é que o professor, colocado no papel de educador, torna-se o facilitador, o gerenciador desse processo.

Pensando a partir da epígrafe de Rubem Alves, faz com que o aluno consiga apreciar a beleza da música para, somente a partir disso, atrair seu interesse para entender o sentido e o significado das partituras.

À parte o uso (muitas vezes até abusivo) de recursos tecnológicos, no fundo, a proposta dessas novas metodologias didáticas é de focar aí. Se isso acontece, professor e aluno estão no mesmo barco: precisam encontrar juntos uma solução para um desafio; solução que não lhe é dada de bandeja. E é nesse processo de busca da "reposta" é que o professor tem a função de pontuar a riqueza e a beleza do percurso, com contribuições a partir de seu próprio conhecimento e experiência (profissional e de vida).

Como já dito, a velha fórmula palestra (a tradicional lecture - que, literalmente, significa leitura) não funciona mais. Pesquisas no mundo inteiro tem mostrado que elas são cada vez menos atrativas a uma geração hiperconectada e com atenção múltipla e difusa. O professor deve assumir o lugar do transmissor do know how, da metodologia, não da solução. Ele até pode ser o organizador - dada à sua experiência e lugar diferenciado no processo - para se chegar a "uma" solução; mas sem pretender ser "a" solução. Abrir portas para que o aluno explore as possíveis salas do imaginário e da informação deste grande palácio que é a construção conjunta do conhecimento.

Nesse processo, os alunos podem nos surpreender. E isso é quase uma certeza, se o processo é bem
conduzido. 

Esse é o cenário concreto para se construa, ainda que com algumas diretrizes definidas pelo educador (o que se quer do aluno, que competências pretendo desenvolver etc.), a verdadeira Educação como processo de Liberdade, ao melhor estilo do grande educador Paulo Freire.

Num mundo em que a educação mecânica (confundida como transmissão/aquisição de informação sem o devido processo racional produtor de um conhecimento verdadeiro) está cada vez mais difundida, nunca, talvez, seu pensamento tenha estado tão atual e, talvez por isso, esteja sendo redescoberto aqui e no exterior.














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Palavras Iniciais

Olá,

Bem vindo a um espaço que, antes de mais nada, é despretensioso. Ou melhor, se há alguma pretensão é a de exercitar a arte da escrita, refletindo livremente sobre fatos, idéias, cinema, filosofia enfim, tudo o que valer a pena pensar.

Como se não bastasse a exigência da profissão, eu mesmo me impus a necessidade de registrar meus pensamentos os quais, reconheço, considero valiosos pela única e exclusiva razão de serem meus, de representarem meu ponto de vista sobre as coisas. Nada mais. É, pois, nesse exato sentido que me refiro à ausência de pretensão. Quero apenas falar. Falar livremente. E se o transeunte cibernético que por aqui se aventurar sentir que vale a pena iniciar um diálogo a respeito das idéias apresentadas (as quais, já adianto, não serão tão aprofundadas), vou sentir que terá alguma utilidade para além da minha própria extravasão.

Apesar de relativamente antigo, eu me esqueci completamente da criação deste espaço. Nele havia deixado, oculto, um único texto que resolvi publicar mesmo estando inacabado. A ele retorno com o propósito de alimentá-lo com mais frequência, o que para mim será extremamente benéfico, inclusive do ponto de vista pessoal. Vou aproveitar para registrar outros escritos, feitos em outras épocas - pré-internáuticas ainda - que certamente revelarão um outro Fred (principalmente para aqueles que já me conhecem).

Espero que o leitor que por aqui passar possa encontrar alguns pontos sobre os quais pensar. E, se sua generosidade permitir, deixar a contribuição de suas opiniões e seus pensamentos a respeito do que encontrar registrado para, inclusive, provocar minha contrarreflexão.

Boa leitura e obrigado pela visita.
Fred

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