O Ipea divulgou ontem uma pesquisa interessante mostrando o
desempenho econômico das várias carreiras profissionais no país. De acordo com
o blog Pragmatismo Político, numa matéria intitulada "Medicina é a profissão com maior salário e menos profissionais",
com altos salários (em relação à média nacional), taxa de ocupação de 93% dos postos e falta de
profissionais, a medicina está em posição diferenciada em relação a outras carreiras profisisonais.
Lembrando que, como diz a matéria (disponível aqui), o IPEA levou em conta nesta avaliação "salários, jornada de trabalho, cobertura previdenciária e
taxa de ocupação", revelando que os médicos têm um melhor desempenho
global. No próprio documento do IPEA há um item, logo no início intitulado "A VENCEDORA DISPARADA DO RANKING
TRABALHISTA É MEDICINA, SEGUIDA DE ODONTOLOGIA E DAS ENGENHARIAS". É
indispensável a leitura do documento original para se formar um juízo próprio
(até porque o seu foco é sobre "ganhos e perdas salariais" e não
sobre maiores ou menores remunerações - o que é bem diferente).
Apoio total à reivindicação do CFM de que não haja
importação sem validação de diploma, que haja mais investimentos pra saúde etc.
etc. etc. No entanto, é preciso sempre enfatizar que este problema
"médico" expõe algo muito maior: não se trata de um assunto
exclusivamente de saúde como se ele fosse isolado dos demais, mas sim de pensar
uma política global de desenvolvimento e inclusão no país. Afinal, se, como
revela a pesquisa, faltam médicos, todos sabemos que nos grandes centros (e o documento
do IPEA mostra esta distribuição regionalizada) há uma sobre oferta de
profissionais (isso, sem falar na qualidade duvidosa de muitas formações que
sabemos serem comuns com a abertura do mercado universitários à rede privada -
há até 20 anos, a esmagadora maioria dos profissionais de medicina vinham de
universidades públicas com grosso investimento em pesquisa, tecnologia e
treinamento, basta ver a infraestrutura dos hospitais universitários).
Se eu quero levar um médico para Eirunepé (AC), Carolina
(MA) ou pro Vale do Jequitinhonha (MG) - para usar exemplos de regiões
conhecidas como "afastadas dos grandes centros", é necessário pensar
todos os aspectos do desenvolvimento econômico do país, tomado como um todo - e
não regionalmente ou por setores. Sabemos, e isso tem sido amplamente divulgado
pela mídia, que muitas pessoas não querem ir para esses lugares sob a alegação
de que faltam condições mínimas (não somente para o exercício da profissão de
forma decente e responsável, mas para educação, lazer e outros itens
necessários a uma boa qualidade de vida do próprio profissional e de suas
famílias). Falar de qualidade de vida é falar de desenvolvimento sob todos os
seus aspectos e não somente o econômico: não adianta pagar altos salários (como
temos visto muitos governadores e prefeitos anunciando) se os municípios não
oferecem a menor condição para se ter uma vida decente.
Agora, independentemente disso, há um outro lado da questão,
muito mais complexo e que precisa ser, pelo menos, levantado. Coloquemos as
mãos nas nossas consciências respondamos: quantos estudantes de medicina nós
conhecemos que topariam (mesmo ganhando mais e com melhores condições de
educação, saúde etc. para seus eventuais filhos) uma empreitada tipo Médicos Sem Fronteiras ou
outra iniciativa semelhante, com uma boa dose de altruísmo, despojamento que faz parte,
inclusive, do juramente de Hipócrates (que por muitos é entendido - com o perdão
do trocadilho tosco - como "juramento do hipócrita"), ao invés de
sonhos Louis Vuitton e consultório no Itaim Bibi? Conheço muitos médicos para
os quais estendo um tapete vermelho por esta dedicação, pelo altruísmo,
despojamento e longa experiência já tiveram exercendo uma medicina realmente
humanitária, próxima dos anseios e necessidades da população. Reconheçamos que,
para uma parcela enorme daqueles que escolhem a medicina, o devaneio do status
socioeconômico ainda é muito forte. O ser humano diante dele não é mais do que
um mero protocolo, um conjunto de sintomas fisiológicos e não uma realidade
social, psíquica e cultural que manifesta estes sintomas.
Aliás, retomando o ponto da formação médica, é curioso que são
raríssimos os casos em que, na formação, o estudante de medicina tenha noções
(que dirá um aprofundamento) de antropologia, filosofia, sociologia e ética (não
confundir com a superficialidade de um código de conduto que não é de longe o
que é a Ética para a filosofia).
Gostaria de ver esta discussão ultrapassar a pequenez dos
argumentos do "sou contra Dilma/Padilha" e enveredar por assuntos que
realmente importam.
Em suma, como diria o velho Magritte (ilustrado acima), recentemente parodiado
nos 20 centavos: "Isto não é um cachimbo!"
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