No dia 22/05, o IBOPE divulgou uma pesquisa para a corrida presidencial 2014. No pacote de investigações sobre as intenções de voto, o Instituto pergunta também ao entrevistado sobre sua avaliação da atual gestão da presidente Dilma Rousseff. (Confira aqui a pesquisa divulgada pelo portal UOL.)
Levando em conta o poder do veículo que representam e que os âncoras de um telejornal são responsáveis por sua edição, não encontro outra palavra a não ser calhordice para classificar este tremendo gesto de desrespeito para com o eleitor (e sua inteligência), o cidadão que procura esta fonte para se informar. Poder barato da Imprensa à la "Beyond Citizen Kane" - conhecido documentário produzido e dirigido em 1993 por Simon Hartog para uma emissora de TV do Reino Unido que narra todo o processo de manipulação das informações da mídia e suas relações com o poder (usando a Rede Globo como fio condutor) e que expôs o caso de ascensão e queda de Fernando Collor de Mello, com uma análise que se tornou referência sobre a edição do último debate que foi ao ar no mesmo jornal da emissora. Este documentário nunca foi exibido no Brasil, ensejando, durante muito tempo, a consolidação do mito de que ele teria sido "proibido" e "alvo de ação judicial da emissora", ameaças etc. (o que, segundo vários analistas, nunca aconteceu).
Mais uma vez, passados mais de 20 anos das aviltantes e desavergonhadas manipulações de informação, herança dos vários períodos ditatoriais (e não só o Golpe de 64) da história brasileira no século XX, em pleno período democrático, experimentamos esta sensação de descrença deste importante e decisivo mecanismo de manutenção das forças democráticas que é a imprensa. Afinal, informação alicerça o poder de decisão, de escolha, de ação.
Tudo isso confirma as ideias de Noam Chomsky e Edward S. Herman no célebre livro "Manufacturing Consent" (transformado num excelente documentário dirigido pelos canadenses Mark Achbar e Peter Witonick, os mesmos que realizaram "The Corporation", anos mais tarde). Uma das questões mais relevantes do ponto de vista da organização social é a manutenção do controle da ordem: como garantir que a sociedade funcione, sem grandes conflitos de interesses que levaria, num extremo, a um estado de anomia. Para isso, é muito importante que as pessoas que compõem este determinado grupo estejam minimamente controladas. Há formas legítimas (sistemas democráticos, em que as pessoas, em tese, aceitam formas de controle - como as leis, autoridade familiar, igreja etc. - por entenderem que elas são importantes para o bom funcionamento do grupo) e há formas ilegítimas (aquelas em que o controle é exercido pela força, como nas ditaduras). Para pensar sobre isso, Chomsky e Herman, dois dos mais ácidos críticos das relações entre mídia e poder, tomam uma ideia importante de um intelectual americano dos anos 1920, Walter Lippmann. Em um sistema democrático, uma vez que o uso da espada e da força bruta para manter as pessoas sob controle o descaracterizaria como tal, a sociedade encontrou uma maneira muito mais eficaz para cumprir este propósito: controlar o que as pessoas pensam. Controlando o que elas pensam, controla-se o seu comportamento e o seu direcionamento. Inclusive, suas escolhas. E parte da grande imprensa vem cumprindo com louvor este papel. Principalmente se o seu campo de ação for uma sociedade com baixo potencial de leitura crítica das informações que recebe.
Que as organizações Globo (e qualquer outra empresa de mídia) sejam contra a reeleição de Dilma Rousseff, é aceitável. Não vejo problema na parcialidade, desde que às claras. Mas não ajam como bandidos na calada da noite, de forma sorrateira, manipulando informações para direcionar o eleitorado incauto e ignaro para o que desejam. E o que é pior: vendendo a imagem de imparcialidade. Isso é muito feio. E já passou o tempo desse tipo de recurso bem primário.
Afinal, todos sabemos, como afirma um dos entrevistados no documentário de Hartog supracitado a respeito das Organizações Globo, mas que vale para qualquer empresa da grande imprensa: elas não se interessam necessariamente por este ou aquele candidato; não se interessam por este ou aquele partido. Interessam-se pelo poder! Até podem, como é o caso aqui debatido, tentar trabalhar para eleger o candidato que julgam mais afinados com seus propósitos.
Mas isso, como bem demonstrou o caso Collor, é muito arriscado.
Mas isso, como bem demonstrou o caso Collor, é muito arriscado.
Depois de tudo, ainda vêm com o discurso de que não entendem porque, no ano passado, muitos manifestantes foram até a sede da empresa em São Paulo para gritar contra esta prática hedionda.
Poupe-nos a nós, brasileiros, de sermos chamados de tolos.
Nota 1: Há alguns anos, um dos mentores do jornalismo da Rede Globo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho (o "Boni") lançou um livro em que resgata esta história da edição do Jornal Nacional. Confira a matéria publicada no blog Pragmatismo Político em 2011 a este respeito: Após 22 anos, Boni admite que Globo armou contra Lula para eleger Collor.
Nota 2: Caso queira conferir a versão da Rede Globo sobre o debate, veja esta página do Memorial da Globo Debate Collor x Lula (1989). Ela contém, inclusive, alguns depoimentos dos responsáveis pelas edições do jornal.
Poupe-nos a nós, brasileiros, de sermos chamados de tolos.
Nota 1: Há alguns anos, um dos mentores do jornalismo da Rede Globo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho (o "Boni") lançou um livro em que resgata esta história da edição do Jornal Nacional. Confira a matéria publicada no blog Pragmatismo Político em 2011 a este respeito: Após 22 anos, Boni admite que Globo armou contra Lula para eleger Collor.
Nota 2: Caso queira conferir a versão da Rede Globo sobre o debate, veja esta página do Memorial da Globo Debate Collor x Lula (1989). Ela contém, inclusive, alguns depoimentos dos responsáveis pelas edições do jornal.